Pessoas com vitiligo apresentam manchas brancas na
pele e mechas brancas nos cabelos e pelos do corpo. Quando as lesões
aparecem em áreas expostas, como mãos, rosto, braços, cotovelo, costumam
provocar constrangimento especialmente se o portador tiver pele mais
escura.
A principal característica do vitiligo é a despigmentação da pele
por falta de melanina. O distúrbio pode manifestar-se em adultos e
crianças de todas as etnias. Costuma provocar lesões isoladas ou que se
espalham pelo corpo.
A evolução da doença é absolutamente imprevisível. Em alguns casos,
fica estável; noutros regride, e há casos em que progride com rapidez.
Lesões de vitiligo podem estar relacionadas com um tipo de câncer de
pele, o melanoma, com o diabetes e a miastenia.
O impacto que a enfermidade provoca nos portadores é muito grande,
embora haja recursos terapêuticos eficazes para devolver a pigmentação
da pele.
TIPOS E CAUSAS
Drauzio – O que caracteriza as lesões de vitiligo?
Nuno Osório – Vitiligo é uma doença que se
caracteriza pelo aparecimento de manchas brancas provocadas pela
despigmentação da pele e pode ocorrer por vários motivos.
Segundo a teoria neural, o vitiligo segmentar incide normalmente
sobre a região de um nervo e é provocado pela liberação de
neuropeptídeos, substâncias que inibem ou até destroem os melanócitos,
ou seja, as células que produzem melanina, pigmento escuro que dá cor à
pele. Ele se chama segmentar porque acompanha o trajeto do nervo,
respeita a linha média do corpo e não avança para outro lado.
A teoria citotóxica defende que certas substâncias derivadas da
hidroquinona podem provocar a despigmentação da pele própria do
vitiligo. Elas estão presentes em alguns materiais como a borracha e os
tecidos emborrachados que contêm derivados da hidroquinona. É o que se
diz ter acontecido com Michael Jackson. Parece que tinha vitiligo e
despigmentou a área do corpo que não havia perdido a cor.
Esse tipo de conduta terapêutica é indicado para pacientes em que a
área despigmentada é maior do que a sadia. Como resultado do tratamento,
a pessoa fica branca por inteiro e não com o aspecto malhado
característico da doença.
Drauzio – Você disse que roupas feitas com tecidos
que contenham borracha podem provocar vitiligo. As lesões aparecem
sempre nas áreas que ficam cobertas pelo tecido?
Nuno Osório – Aparecem sempre nas áreas que entram
em contato com a borracha em pacientes susceptíveis à doença. Se a
pessoa manipula habitualmente algum objeto com esse material, a lesão
pode aparecer nas mãos e aparecerá nos pés se o contato for com a
borracha do calçado, por exemplo.
Drauzio – Vimos que o vitiligo segmentar acompanha as raízes
dos nervos e o citotóxico está associado ao contato com as substâncias
que existem em determinados derivados da borracha. Existe algum outro
tipo de vitiligo?
Nuno Osório – Existe o vitiligo autoimune, o mais
frequente de todos, que consiste na formação de anticorpos que atacam o
melanócito e o destroem, ou inibem a produção de melanina. É muito comum
estar associado a outras doenças autoimunes como diabetes tipo I, que é
insulinodependente, tireoidites e, eventualmente, lúpus e miastenia.
Drauzio – Nesse caso, o tratamento de diabetes e miastenia melhora o vitiligo?
Nuno Osório – Pode ocorrer uma melhora do vitiligo quando se trata a doença de base.
Drauzio – Existe alguma tendência genética para a prevalência de vitiligo?
Nuno Osório – Em 20% a 30% dos casos de vitiligo
autoimune, observa-se que existe uma tendência genética para a doença.
Pai, irmão, tio, algum membro da família também tem vitiligo. Embora
ainda não se tenha isolado o gene específico da enfermidade, neles a
destruição dos melanócitos provoca o aparecimento de áreas com
despigmentação. Nos 70%, 80% restantes, não se tem conhecimento de
parentes com a doença. Sabe-se que alguns fatores associados
desencadeiam ou pioram o quadro. Entre eles, destacam-se traumas e
distúrbios emocionais importantes. Em vista disso, o acompanhamento
psicoterápico pode ajudar no tratamento.
Drauzio – O impacto que as lesões do vitiligo provoca nos
portadores da doença é muito grande. Lembro-me de uma moça bonita que me
procurou com uma lesão de vitiligo na face dizendo que tinha ali um
câncer de pele. Quando a examinei e disse que aquilo não era um câncer,
era vitiligo, começou a chorar desesperadamente. Ela já havia recebido
esse diagnóstico, mas tinha esperança de que estivesse errado, porque
preferia um câncer a uma lesão de vitiligo.
Nuno Osório – Provavelmente, essa moça tinha algum
parente ou conhecido com a doença e estava assustada. Na sua cabeça, o
câncer lhe causaria menos problemas porque poderia ser removido e
tratado, o que temia pudesse não acontecer com a lesão de vitiligo.
Drauzio – Com que idade aparecem as primeiras lesões?
Nuno Osório – As primeiras lesões podem aparecer em
qualquer idade. Podem surgir na infância até os cinco ou sete anos ou na
adolescência. No total, 50% dos casos aparecem até os 20 anos.
Drauzio – O vitiligo é uma doença que pode ocorrer em pessoas de todas as etnias?
Nuno Osório – Em todas. A incidência é igual em negros e brancos, orientais e ocidentais.
EVOLUÇÃO
Drauzio – A doença tem sempre o mesmo ritmo de progressão ou ele é absolutamente imprevisível?
Nuno Osório – Eu diria que é absolutamente
imprevisível. Em alguns casos, a doença fica estável; noutros regride e
até se consegue a cura definitiva do paciente, mas há aqueles que
progridem com rapidez.
Drauzio – Como costuma ser a evolução da doença? Aparecem várias lesões ao mesmo tempo, ou uma só de cada vez?
Nuno Osório – Normalmente aparece uma lesão que não
aumenta na pálpebra ou ao redor da boca, mas podem aparecer outras
gradativamente, de acordo com a gravidade do caso, e que vão se
disseminando pelas mãos, cotovelos, pernas, etc.
Drauzio – Há casos em que a cura é espontânea?
Nuno Osório – Sim, pode ocorrer repigmentação
espontânea da pele. No entanto, há casos associados a doenças
neoplásicas. Sabe-se que 10% dos pacientes com melanoma metastático
(tumor maligno que começa nas pintas do corpo) têm lesões vitiligoides
por causa da formação de anticorpos que atacam o melanócito na tentativa
de defender o organismo das células malignas e, como consequência,
surgem lesões de vitiligo.
Drauzio – Tratei muitos melanomas na vida e vi vários casos
associados ao vitiligo. Às vezes, o tumor cresce e depois vai regredindo
até deixar uma mancha branca característica do vitiligo no local.
Nuno Osório – Há casos como o do paciente que tinha
metástase de melanoma, mas não se achava a lesão inicial. Não existiam
nevos (pintas) em seu corpo e o diagnóstico foi feito levando em
consideração os gânglios que apresentava. Na conversa que tivemos,
fiquei sabendo de uma pinta que tinha aparecido numa perna, na mesma
perna onde existiam os gânglios (adenomegalia), e que foi regredindo até
desaparecer por completo. Provavelmente, ali era o lugar do melanoma
inicial.
Vale a pena mencionar ainda outra lesão, o nevo halo. Ele aparece com
frequência em pessoas que desenvolvem anticorpos contra pintas normais,
que se despigmentam gradativamente até desaparecerem. Não se trata de
melanoma, mas de um nevo que requer um pouco mais de cuidado e atenção.
Drauzio – A recomendação é que seja retirada a pinta que
começa a ficar branca e a regredir espontaneamente, porque pode ser um
melanoma.
Nuno Osório – Muitas vezes, a única solução é mesmo retirar esse tipo de pintas.
Drauzio – Em geral, o próprio paciente faz o diagnóstico de
vitiligo porque já viu essa lesão dermatológica em outras pessoas. Qual a
principal preocupação desses doentes?
Nuno Osório – Na maior parte das vezes, o paciente
que nos procura com suspeita de vitiligo não tem a doença, mas está
cauteloso e com medo, especialmente se o problema já se manifestou em
alguma pessoa da família e ele sabe da tendência hereditária da lesão
vitiligoide.
Em geral, ele apresenta manchas brancas nos braços provocadas pelo
sol (leucodermia solar), vulgarmente conhecidas como sardas brancas.
Quando estão associadas à pele ressecada, chamam-se ptiríase alba. Não é
vitiligo. Há um tipo de micose que também provoca pequenas manchas
brancas na pele. Entretanto, se o diagnóstico confirma a suspeita do
paciente, ele é informado sobre as características da doença e sobre as
formas de tratamento.
LESÕES
Drauzio – Na imagem 1 aparece uma lesão de vitiligo na região
frontal. O que a diferencia das outras patologias que você descreveu?
Nuno Osório – É uma lesão quase totalmente acrômica,
sem pigmento. Nas outras patologias descritas, as lesões são
hipocrômicas, isto é, não são totalmente brancas como essa. Às vezes, a
borda externa é um pouco mais escura na parte de cima, na região que
está coberta pelo cabelo. Pode-se observar no centro dessa lesão,
algumas ilhotas de repigmentação, áreas em que o melanócito está ativo e
que indicam tendência para repigmentar. Durante o tratamento, é
possível notar que elas vão ficando mais pigmentadas e se espalham.
Drauzio – Na imagem 2, as ilhotas estão mais visíveis.
Nuno Osório - Essa é a imagem de outro paciente que
tem vitiligo segmentar, neural. É possível acompanhar mais ou menos o
trajeto nervoso, a faixa em que aparece a lesão.
Se houver pelos nessa área, eles também ficarão brancos, despigmentados.
Drauzio – A imagem 3 mostra uma lesão de vitiligo nas mãos
que não obedece à distribuição de acordo com a raiz nervosa e pega uma
área mais extensa.
Nuno Osório – Lesões nas mãos são mais difíceis de tratar e é muito frequente aparecerem lesões também nos dedos.
Não se pode deixar de mencionar o Fenômeno de Koebner, segundo o qual
alguns traumas – batida, corte, o hábito de ficar cutucando a mão ou o
cotovelo, entre outros – podem desencadear o aparecimento de lesões de
vitiligo.
Drauzio – A imagem 4 mostra bem o que você
explicou, uma lesão despigmentada, branca, com ilhota de tecido
pigmentado e na borda pigmentação mais exuberante. E as imagens 5, 6 e
7?
Nuno Osório – Na imagem 5, a lesão aparece no
cotovelo e é característica do vitiligo vulgar, autoimune, que ocupa uma
área mais extensa e não segue o trajeto do nervo. A imagem 6 mostra um
vitiligo segmentar e a 7, uma área de repigmentação inclusive do
folículo piloso.
Drauzio – Na maioria dessas lesões existem ilhotas pigmentadas…
Nuno Osório – Quando elas existem é bom sinal, sinal
de que há melanócitos em atividade e que provavelmente a resposta ao
tratamento vai ser boa. Quando não mais existem, a resposta costuma ser
mais fraca. Lesões muito brancas, sem nenhuma ilha pigmentada em seu
interior, têm sempre prognóstico pior.
RECOMENDAÇÕES
Drauzio – Feito o diagnóstico de vitiligo, como se deve agir?
Nuno Osório – Depois do diagnóstico, o paciente
precisa receber orientações gerais a respeito da doença, de sua possível
evolução, instituir o tratamento e observar a resposta que produziu.
Drauzio – Em relação ao estilo de vida, quais são as recomendações básicas?
Nuno Osório – O paciente com vitiligo precisa tomar
sol (faz parte do tratamento) com bastante cuidado, por períodos curtos,
nos horários estipulados pelo médico e usar protetor solar. Relembrando
o fenômeno de Koebner, uma queimadura solar seria um estímulo
importante para formar nova lesão de vitiligo.
Drauzio – Deve usar protetor também na área despigmentada?
Nuno Osório - Sem dúvida, porque a área
despigmentada é mais sensível ao sol, pois não conta com a defesa da
melanina que os melanócitos produzem.
Drauzio – Você recomenda o uso de hidratantes e de filtro solar com que fator de proteção?
Nuno Osório – O fator de proteção do filtro solar
deve ser pelo menos 30 e o paciente precisa reaplicá-lo a cada duas ou
três horas, especialmente se estiver na praia ou na piscina. É
importante lembrar que mesmo com protetor não pode expor a pele nua ao
sol. Usar camisetas pode ser uma boa medida.
Quanto aos hidratantes, pacientes com vitiligo devem ser hidratados
normalmente. Não necessitam de hidratação especial, assim como não
precisam de sabonetes especiais.
Drauzio – Existe algum cuidado com a alimentação e o uso de medicamentos que os portadores de vitiligo devam tomar?
Nuno Osório – Não existe nenhuma teoria médica em
relação aos alimentos. Alguns trabalhos mostram que antioxidantes, como
vitamina E, vitamina C, betacaroteno e ácido fólico, podem eventualmente
melhorar as lesões de vitiligo. Quanto aos medicamentos, não se sabe de
nenhum que seja contraindicado para esses pacientes.
Tratamento
Drauzio – Houve uma época em que se falava muito de um
tratamento cubano para vitiligo e muitos viajaram para Cuba em busca de
atendimento. Ele realmente trazia resultado?
Nuno Osório – O tratamento cubano, de que se falou
muito a respeito, era à base de melagenina. A Sociedade Brasileira de
Dermatologia considera que o aspecto emocional e psicológico pesava mais
na resposta clínica do paciente, porque os resultados do tratamento
realizado em Cuba não foram superiores aos obtidos pela fototerapia
convencional.
Drauzio – Como era feito o tratamento cubano?
Nuno Osório – Em linhas gerais, o tratamento
consistia em passar uma substância chamada melagenina na lesão e depois
submetê-la a uma aplicação de raios ultravioleta. Estudos comparativos
feitos na Venezuela e no México – no Brasil eles não existem – indicaram
que o tratamento cubano não era superior aos outros tratamentos, tanto
que não se fala maisnele como se falava há dez anos.
Drauzio – Quais são os outros tratamentos preconizados para o vitiligo?
Nuno Osório – São inúmeros os tratamentos, porque
não existe o tratamento ideal. Depende de cada caso. Lesões pequenas
podem ser tratadas com pomadas de uso tópico à base de corticoides.
Recentemente, substâncias imunossupressoras de ação e uso semelhantes
aos do corticoide mostraram bons resultados em alguns casos. A
brasileira se chama pinecrolimus e a americana, tacrolimus.
Quando a progressão das lesões vitiligoides é muito rápida, podem ser
receitados corticoides por via oral, mas antes é bom afastar a
possibilidade de uma doença sistêmica (diabetes, tireoidite, lúpus ou
até neoplasias) estar associada ao vitiligo.
Outro tratamento bastante utilizado, talvez o mais utilizado para o
vitiligo, é a fototerapia. O paciente é orientado para expor-se ao sol
após usar substâncias fotossensibilizantes. Aplicadas sob a forma de
cremes e loções, tornam a pele mais sensível à ação do sol, estimulando
sua pigmentação. Para usá-las, no entanto, é preciso seguir
rigorosamente a orientação médica. Se o tempo de exposição exceder ao
que foi recomendado, pode ocorrer queimadura que leva à formação de nova
lesão ou, ainda, queimaduras mais graves, se elas foram passadas em
áreas mais extensas.
Drauzio – Essas substâncias só devem ser passadas apenas na área da lesão de vitiligo?
Nuno Osório – Apenas na área do vitiligo. Nas áreas
sadias, o paciente deve usar protetor solar. O ideal é começar com dois
minutos de exposição ao sol e ir aumentando gradativamente de acordo com
a resposta à substância usada. O efeito que se espera de sua aplicação é
que provoque um eritema, ou seja, que a região fique avermelhada, sinal
de que a pigmentação está sendo estimulada.
Drauzio – Você poderia explicar as imagens 8, 9 e 10?
Nuno Osório – Na imagem 8, aparece outro tipo de
fototerapia que consiste no uso de um aparelho que estimula a
pigmentação. A imagem 9 já registra algumas áreas de repigmentação e a
10, o desaparecimento total da lesão após 23 sessões de exposição a uma
fonte de ultravioleta B, um tipo de laser.
Drauzio – Que outros tratamentos podem ser citados?
Nuno Osório – Quando o vitiligo é extenso e há
lesões espalhadas pelo corpo, o ultravioleta A pode ser associado a
drogas de uso tópico e por via oral, os psoralenos que são
fotossensibilizantes. É o método PUVA. O paciente toma remédio e depois
de duas horas entra numa cabine e se submete à exposição aos raios
ultravioleta A. Posteriormente, deixa de tomar a droga e recebe banhos
de luz de ultravioleta B de banda estreita.
Se a lesão for localizada, pode-se usar o sistema laser que atua só na área afetada, empregando até potência mais alta.
Drauzio – Quais são os pacientes que se beneficiam do tratamento? Quais os casos de melhor e pior prognóstico?
Nuno Osório – O paciente que tem menos lesões tem
melhor prognóstico. Quando 50%, 70% do corpo estão afetados, o
prognóstico é pior e a opção de tratamento pode ser a despigmentação
total do corpo.
Drauzio – A despigmentação que dizem ter feito em Michael Jackson?
Nuno – A despigmentação é um recurso para os pacientes que têm 70% do corpo despigmentado.
Drauzio – Nesse caso, o paciente corre outros riscos da exposição ao sol como câncer de pele, por exemplo?
Nuno Osório – Embora existam alguns trabalhos
recentes afirmando que áreas de vitiligo submetidas ao ultravioleta não
teriam mais tendência a desenvolver câncer de pele, o paciente precisa
ter cuidado com o sol, não só por causa do câncer, mas pelo perigo que
as queimaduras podem representar para a pele despigmentada.
http://drauziovarella.com.br/entrevistas-2/vitiligo-3/